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Justificativa:
Senhoras Vereadoras e Senhores Vereadores,
No Brasil, 56,10% de sua população se define como integrante da comunidade negra, segundo dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do IBGE do ano de 2019, sendo que 89,7 milhões se declaram como pardos e 19,2 milhões se assumem pretos. Em relação ao Estado do Rio Grande do Sul, a população autodeclarada negra (pretos e pardos) totaliza 1.725.166 pessoas, segundo o censo demográfico de 2010 realizado pelo IBGE, o que representa 16,13% dos habitantes do estado.
No caso das peças publicitárias encomendadas ou patrocinadas pela Prefeitura do Município de Santa Maria elas devem ter, como prescreve a Lei Orgânica do Município, "caráter educativo, informativo ou de orientação social" (Art. 6º, IV). Por isso, cabe ao Poder Público, pelo Princípio da Simetria observar e assegurar os direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal
A partir disso, este projeto de Lei objetiva, fundamentalmente:
Estabelecer um padrão mínimo de correspondência entre a composição étnico-racial da sociedade santamariense e a imagem que é veiculada pelos meios de publicidade da administração pública municipal, dando visibilidade da representação aos negros e negras que compõem a população;
Contribuir para o resgate da importância do negro na formação histórica, cultural e étnica da população da cidade de Santa Maria;
Sobre a legalidade da presente propositura, cabe, primeiramente, mencionar a legitimidade do vereador em legislar sobre o objeto em questão.
Inconstitucionalidade formal do tipo orgânica, como leciona o Ministro Luís Roberto Barroso, é a inobservância de regra de competência na edição de ato específico, tendo o vício partido de quem não poderia legislar sobre a matéria que subscreveu, enquanto a de tipo formal propriamente dita é a irregularidade no procedimento legislativo de legislar, desrespeitando normas e procedimentos pacíficos, notadamente em alguma de suas seis fases, a saber, iniciativa, deliberação, votação, sanção ou veto, promulgação e publicação.
Deste modo, sendo os Edis entes políticos eleitos cabe a eles, na esfera do município, criar projetos de lei de natureza ordinária ou complementar, individual ou coletivamente, como fixa, respectivamente, o Regimento Interno da desta Casa Legislativa no art. 154, bem como o Art. 82-A da Lei Orgânica Municipal.
Conforme fixado à Carta Magna promulgada em 5 de outubro de 1988, compete aos municípios criar leis a respeito de iniciativas de interesse local e, também, suplementar a legislação federal e estadual (Art. 30, incs. I e II, CRFB).
Problema maior, porém, é o enfrentamento da questão a respeito da existência ou não da competência de editar leis municipais a respeito de normas gerais de licitação e contratos, em virtude da Constituição Federal estabelecer como sendo de competência privativa da União (art. 22, XXVII) a possibilidade de abordar tal temática.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tem reafirmado, em sucessivos julgados, que tal competência existe, sobretudo, em razão do disposto no art. 30 incs, I e II da CRFB. Escreve Joaquim Barbosa, em decisão em que foi relator:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE BRUMADINHO-MG. VEDAÇÃO DE CONTRATAÇÃO COM O MUNICÍPIO DE PARENTES DO PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADORES E OCUPANTES DE CARGOS EM COMISSÃO. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS MUNICÍPIOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. A Constituição Federal outorga à União a competência para editar normas gerais sobre licitação (art. 22, XXVII) e permite, portanto, que Estados e Municípios legislem para complementar as normas gerais e adaptá-las às suas realidades. O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as normas locais sobre licitação devem observar o art. 37, XXI da Constituição, assegurando a igualdade de condições de todos os concorrentes. Precedentes. Dentro da permissão constitucional para legislar sobre normas especificas em matéria de licitação, é de se louvar a iniciativa do Município de Brumadinho-MG de tratar, em sua Lei Orgânica, de tema dos mais relevantes em nossa pólis, que é a moralidade administrativa, princípio-guia de toda a atividade estatal, nos termos do art. 37, caput da Constituição Federal. A proibição de contratação com o Município dos parentes, afins ou consanguíneos, do prefeito, do vice-prefeito, dos vereadores e dos ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, bem como dos servidores e empregados públicos municipais, até seis meses após o fim do exercício das respectivas funções, é norma que evidentemente homenageia os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, prevenindo eventuais lesões ao interesse público e ao patrimônio do Município, sem restringir a competição entre os licitantes. Inexistência de ofensa ao princípio da legalidade ou de invasão da competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação. Recurso extraordinário provido.
(STF - RE: 423560 MG, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 29/05/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe119 DIVULG 18-06-2012 PUBLIC 19-06-2012).
Aderindo a mesma tese de validação da competência do município de legislar sobre normas gerais de licitações e contratos, ensina, em voto proferido na ADI 3.735 o saudoso ministro Teori Zavascki:
"No arranjo de competências legislativas instituído pelo texto da CF/88, a responsabilidade pelo estabelecimento de normas gerais sobre licitações e contratos foi privativamente outorgada ao descortino da União (art. 22, XXVII). Esta privatividade, contudo, não elidiu a competência dos demais entes federativos para legislar sobre o tema. Na medida em que se limitou ao plano das "normas gerais", a própria regra, de competência do art. 22, XXVII, da CF pressupôs a integração da disciplina jurídica da matéria pela edição de outras normas, "não gerais", a serem editadas pelos demais entes federativos, no desempenho das competências próprias que lhes cabem, seja com fundamento nos arts. 24 e 25, §1°, da CF — no caso dos Estados-membros — ou no art. 30, II, da CF — no tocante aos Municípios. Isso quer dizer que, embora tenha sido capitulada como uma competência legislativa de exercício privativo da União, a disciplina geral de licitações e contratos não segue estritamente o mesmo regime jurídico que caracteriza as demais incumbências previstas no art. 22 da Constituição Federal, cuja transferência para os Estados somente é admitida mediante autorização formal de lei complementar, e mesmo assim, apenas, para o tratamento de questões específicas (art. 22, Parágrafo único, da CF). Por essa razão, há na doutrina quem subscreva o posicionamento de que a edição de normas gerais sobre licitações e contratos estaria melhor acomodada no repertório do art. 24 da Constituição, título que abriga as hipóteses de competência concorrente na Federação brasileira".
Resta claro que, segundo os entendimentos expostos, embora a Carta Maior estabeleça que as normas gerais sobre licitações e contratos devam ser escritas pela pena da União, esta não impede, portanto, a redação de iniciativas de Leis feitas de forma específica à realidade municipal, estando de acordo com suas particularidades e interesses locais.
Quanto a argumentação de que a presente ação legislativa seria de caráter privativo do ente Executivo legislar a respeito, ela não merece acolhida, posto que infundada.
Na Constituição da República, a iniciativa privativa do Poder Executivo está disposta no art. 61, §1°, II, norma de reprodução obrigatória, dado o princípio da simetria:
Art. 61, § 1° São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
(• )
II - disponham sobre:
a. criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
b. organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
(...)
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;
Como é conhecido na doutrina jurídica, a competência legislativa é, em regra, do Poder Legislativo. Entretanto, visando resguardar a harmonia e independência dos poderes, o legislador constituinte, excepcionalmente, concede a um Poder determinado a prerrogativa de iniciar o processo legislativo em matérias relativas às suas competências constitucionais.
É exatamente por conta da excepcionalidade dessa reserva de competência que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a inciativa privativa deve ser entendida de forma restrita. Assim, as suas hipóteses são taxativas, não podendo ser ampliadas sequer por via interpretativa. Nesses termos:
[...] Os pronunciamentos do Supremo são reiterados no sentido de que a interpretação das regras alusivas à reserva de iniciativa para processo legislativo submete-se a critérios de direito estrito, sem margem para ampliação das situações constitucionalmente previstas [...]. A reserva de iniciativa material é exceção e surge apenas quando presente a necessidade de se preservar o ideal de independência entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. [...] Verificada a ausência de proposição normativa tendente a suprimir ou limitar as atribuições essenciais do Chefe do Executivo no desempenho da função de gestor superior da Administração, descabe cogitar de vício formal de lei resultante de iniciativa parlamentar. [...] (STF, RE n° 729.729, rel. Min. Marco Aurélio, DJe, 31.7.2017).
A partir dessa conclusão, a egrégia corte constitucional pátria já decidiu, inclusive, pela constitucionalidade de norma de iniciativa do Poder Legislativo que inscreve novas especificações a respeito da temática de contratação e licitação, in verbis:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. LEI N° 11.871/02, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUI, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA REGIONAL, PREFERÊNCIA ABSTRATA PELA AQUISIÇÃO DE SOFTWARES LIVRES OU SEM RESTRIÇÕES PROPRIETÁRIAS. EXERCÍCIO REGULAR DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PELO ESTADO MEMBRO. INEXISTÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGIFERANTE RESERVADA À UNIÃO PARA PRODUZIR NORMAS GERAIS EM TEMA DE LICITAÇÃO. LEGISLAÇÃO COMPATÍVEL COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, DA IMPESSOALIDADE, DA EFICIÊNCIA E DA ECONOMICIDADE. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. 1. A competência legislativa do Estado membro para dispor sobre licitações e contratos administrativos respalda a fixação por lei de preferência para a aquisição de softwares livres pela Administração Pública regional, sem que se configure usurpação da competência legislativa da União para fixar normas gerais sobre o tema (CRFB, art. 22, XXVII). 2. A matéria atinente às licitações e aos contratos administrativos não foi expressamente incluída no rol submetido à iniciativa legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo {CRFB, art. 61, §1°, sendo, portanto, plenamente suscetível de regramento por lei oriunda de projeto iniciado por qualquer dos membros do Poder Legislativo. 3. A Lei n° 11.871/2002 do Estado do Rio Grande do Sul não engessou a Administração Pública regional, revelando-se compatível com o princípio da Separação dos Poderes (CRFB, art. 2°), uma vez que a regra de precedência abstrata em favor dos softwares livres pode ser afastada sempre que presentes razões tecnicamente justificadas. 4. A Lei n° 11.871/2002 do Estado do Rio Grande do Sul não exclui do universo de possíveis contratantes pelo Poder Público nenhum sujeito, sendo certo que todo fabricante de programas de computador poderá participar do certame, independentemente do seu produto, bastando que esteja disposto a celebrar licenciamento amplo desejado pela Administração. 5. Os postulados constitucionais da eficiência e da economicidade (CRFB, arts. 37, caput, e 70, caput) justificam a iniciativa do legislador estadual em estabelecer a preferência em favor de softwares livres a serem adquiridos pela Administração Pública. 6. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improcedente.(ADI 3.059, Rel. Min. AYRES BRITTO, Pleno, ale de 8/5/2015).
Configurada a constitucionalidade formal da presente proposição, importante se faz, a caracterização de sua materialidade com o texto da Carta Magna, estando ela, portanto, de acordo com as compreensões jurisprudenciais atualmente aceitas nos tribunais superiores da República em relação ao presente tema.
Para ser descrita como possuidora de inconstitucionalidade material, um projeto de Lei ou ato normativo deve estar em desacordo, em incongruência, com o conteúdo da Constituição.
Como escreve Luiz Guilherme Marinoni [5]:
"A inconstitucionalidade material se relaciona com o que acaba de ser dito, uma vez que tem a ver com o conteúdo da lei, ou melhor, com a não conformação do ato do legislador, em sua substância, com as regras e princípios constitucionais. Há inconstitucionalidade material quando a lei não está em consonância com a disciplina, valores e propósitos da Constituição."
Entretanto, quanto à possível ilegalidade ou mesmo afronta ao artigo 5º da Constituição Federal, cabe destacar que ao estabelecer cotas étnico-raciais, não há violação ao preceito fundamental que estabelece a igualdade de todos perante a Lei.
Como vem sendo sucessivamente reafirmado pelo STF, especificamente por meio de duas decisões de Repercussão Geral (ADPF 186/DF — Constitucionalidade de Cotas em Universidades e ADC 41/DF — Constitucionalidade de Cotas em Concursos Públicos), pois o estabelecimento de cotas raciais significa, apenas, que o poder público entende que para além da igualdade formal, estabelecida por preceitos amplos e genéricos, é necessário sua direta atuação, de modo a promover a igualdade material, por meio de ações específicas, as quais, segundo o conceito de justiça social, tem sentido de "distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes".
Igualdade material, expõe o ministro Luís Roberto Barroso em seu voto como relator na ADC 41/DF, é aquela "que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem-estar social".
A Constituição brasileira é generosa em dispositivos que não só possibilitam a adoção de ações afirmativas, aqui presente através de cotas, por parte do Estado e de particulares, mas de fato criam verdadeiro mandamento de sua implementação sob pena de inconstitucionalidade por omissão. A adoção do princípio da igualdade material, a par do prestígio da igualdade formal cristalizada na fórmula do art. 5°, capul, não poderia ser mais explícita.
Logo no seu preâmbulo, preconizavam os constituintes a instituição de um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, e a promover a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. A mensagem é clara no sentido do próprio reconhecimento da existência das desigualdades e do dever de combatê-las. Trata-se de um fato normativamente presumido, portanto, e malquisto. Nesse sentido, o próprio art. 3º da Constituição Federal aponta como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil reduzir as desigualdades sociais, erradicar a pobreza e a marginalização.
Assim, a própria topologia do princípio da igualdade, que encabeça o rol dos direitos fundamentais, corrobora aquela que foi, senão a maior, pelo menos a mais enfática preocupação do constituinte brasileiro: a promoção da igualdade, seja por meio da punição exemplar do racismo, com tratamento severo processual, cominando-lhe a imprescritibilidade e a insuscetibilidade de fiança, seja por meio do favorecimento de grupos excluídos das posições de decisão.
A Constituição Federal é, deste modo, um texto que não apenas corrobora como legítimas as ações afirmativas, executadas no presente projeto por meio da política de cotas étnico-raciais, como impõe esse dever ao Estado brasileiro desde sua promulgação, no dia 05 de outubro de 1988.
A constitucionalidade material da presente propositura está, pelo exposto, fundamentada e comprovada. Portanto, não há como sustentar, juridicamente, que ela ocasiona inviabilidade das garantias constitucionais em que colide, de forma salutar, mas sim traz a lume, justamente, a legalidade dos preceitos de combate às desigualdades históricas, inscritos na Carta Magna atualmente em vigor pelos próprios legisladores que a redigiram e aprovaram.
Deste modo, é que se pede que essa Casa Legislativa, com apoio dos nobres colegas vereadores e vereadoras, entenda como legítima a presente propositura e torne-a, assim, Lei Municipal.
OBS: As normas e informações complementares, publicadas neste site, tem caráter apenas informativo, podendo conter erros de digitação. Os textos originais, revestidos da legalidade jurídica, encontram-se à disposição na Câmara Municipal de Santa Maria/RS.