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Santa Maria, sexta-feira, 17 de maio de 2024

Em sua palestra, Rolim diz que questão da transparência passa pela discussão da concepção de democracia


  • 06/05/2010
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Segundo o ex-vereador santa-mariense, ex-deputado estadual e federal e atual diretor de comunicação do Tribunal de Constas do Estado, Marcos Rolim, não há como tratar a questão da transparência na gestão pública fora do contexto democrático e do efetivo compromisso com a democracia. Razão pela qual a discussão do tema deve se reportar, de imediato, à questão da concepção moderna do Estado Democrático de Direito. Marcos Rolim esteve em Santa Maria na tarde da quarta-feira (05) para uma palestra sobre transparência na gestão pública, atividade dentro da programação da Semana da Câmara 2010.
Nas diferentes formas de regimes totalitários, segundo o ex-vereador santa-mariense, o controle e a manipulação das informações são necessários, porque “os abusos praticados contra a liberdade nunca aparecem em suas próprias vestimentas”. Naqueles regimes “o Poder se legitima pela farsa, visto que a força – em si mesma – pode instaurar o medo, mas nunca obter a adesão que só pode ser oferecida pelo respeito”. Logo, sob a égide de um regime não democrático não há como se pensar em gestão pública transparente.
Por outro lado, o conceito de democracia como ‘o governo da maioria’ também se revela insuficiente para a discussão da questão, pois, se assim entendida, ela guardaria pouca relação com sua substância e abre a “possibilidade de uma negação absoluta do próprio ideal democrático”. Para sustentar sua afirmação, Rolim lembrou que “Hitler chegou ao poder na Alemanha em um processo democrático-eleitoral e contou, especialmente nos primeiros anos do seu governo, com o apoio entusiasta da maioria da população”.
Recorrendo ao filósofo Immanuel Kant, Rolim lembrou que o pensador alemão, já no século 18, assinalava “que o regime democrático exige, por definição, o respeito aos direitos das eventuais minorias e que não há democracia possível se as minorias não compartilham garantias fundamentais”. E acrescentou: “Um governo que se defina, substancialmente, como sendo aquele que expressa as aspirações da maioria pode ser tudo e até mesmo um inferno, mas nunca será uma democracia.” Não seria por outra razão que as chamadas cláusulas pétreas das constituições nas democracias modernas não podem ser modificadas mesmo que pela vontade da totalidade de seus parlamentos. “Com esses direitos (as cláusulas pétreas), as democracias modernas procuram salvaguardar o próprio ideal democrático, impedindo que a manipulação, a demagogia e a violência violem a democracia com seus próprios instrumentos e, destacadamente, com o exercício do voto”.
Para Marcos Rolim, “além do compromisso fundamental de garantia dos direitos das minorias,” uma definição de democracia teria que contemplar, entre outras, as seguintes características: existência assegurada por lei de espaços públicos igualitários, abertos à participação de todos os interessados, para o debate público; efetiva participação política da cidadania em todos os processos de tomada de decisão que afetem os interesses públicos e; acesso amplo e sistemático da cidadania às informações de natureza pública não protegidas excepcionalmente por regras legais de sigilo temporário.
Em relação ao Brasil, o palestrante disse parecer evidente que o país se encontra numa “situação muito distante da que seria aceitável para a caracterização de uma democracia substantiva”, onde “os espaços disponíveis para o debate político seguem notavelmente rarefeitos”. Não há, segundo ele, onde a cidadania possa participar de debates sobre as questões nacionais.
Os meios de comunicação (rádio e televisão) por seu turno, que poderiam criar estes espaços, com algumas exceções, pouco fazem além de produzirem programas que “veiculam lixo cultural, disseminam abordagens superficiais de temas relevantes, quando não francamente preconceituosos e proponentes da violência.” O simbólico desta indigência seriam os reality shows, “que mobilizam milhões de telespectadores em torno do nada”. Para Marcos Rolim, as fortunas que tais programas arrecadam para os donos das empresas que os produzem provam “que mesmo a idiotia pode ser muito rentável”.
Como consequência desse vazio de espaços para debates e participação política, Rolim disse detectar nas novas gerações uma “incapacidade de julgar” e enxerga-as desprovidas “de algo que possam apresentar como opinião sobre temas importantes”, imersas no que chama de “um deserto sem sentido”. Sem passado, porque presas “a uma ética hedonista que identifica no imediato a razão única da existência” (pois o passado só pode subsistir no conhecimento), mas também sem futuro, “porque este só pode existir se possuo um projeto”, as novas gerações, lamenta, “experimentam um presente eterno, que se abre e se encerra em um mesmo ato de fruição”. O consumismo e a drogadição é para ele “pouco mais do que a radicalização desta mesma ética em favor do presente absoluto. Não seria por acaso que o Deus desta cultura é o consumo e as suas catedrais os shoppings centers”.
Porém, se os meios de comunicação e o sistema educacional brasileiro, já de longo tempo em processo de deterioração, explicam apenas em parte esta situação, a questão não se encerra aqui, assegura Marcos Rolim: “penso que seja mais precisamente o resultado previsível de uma democracia desprovida de política; ou se preferirem, de experimentarmos a situação histórica de uma moldura democrática em torno de um vazio”.
Mesmo que a sociedade brasileira tenha avançado alguns degraus na construção de esferas públicas não-estatais, a exemplo dos conselhos de representação da sociedade civil, Rolim considera que o Estado brasileiro “continua impermeável à participação popular”. Permanece como regra “a apatia, o distanciamento entre o Estado e a Sociedade Civil e o completo e profundo estranhamento das pessoas diante dos seus governantes”.
Outra conclusão apresentada pelo palestrante é acerca do papel decisivo da acessibilidade à cidadania das informações sobre as questões da gestão pública. “Sem que cada pessoa, se assim o desejar, possa acompanhar em tempo real os dados a respeito da execução orçamentária ou acompanhar o desempenho dos diferentes governos frente aos indicadores que podem medir a qualidade de vida e o respeito aos direitos fundamentais não haverá debate ou participação política de qualquer espécie,” assegura ele.
A transparência na administração pública, conclui Marcos Rolim, embora não seja suficiente, “é condição necessária para uma democracia substantiva”.
Quanto aos instrumentos legais que determinam aos gestores públicos ações que garantam a acessibilidade pública as suas administrações, o palestrante citou o parágrafo único do Artigo 48 da Constituição Federal e a Lei nº 131, de 27 de maio de 2009, que acrescentou dispositivos à lei nº 101, Lei da Responsabilidade Fiscal. O dispositivo constitucional determina a realização de audiências públicas aos administradores no processo de elaboração dos orçamentos de suas gestões e a lei nº 131 a disponibilização em tempo real, via internet, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, estados e municípios.
Quanto ao cumprimento da lei 132 – Lei da Transparência – os municípios de mais de 100 mil habitantes – Executivo, Legislativo e empresas públicas – já deverão estar com as informações disponibilizadas no dia 29 de maio, sob pena de responsabilização legal. Já os municípios entre 50 mil e 100 mil habitantes têm dois anos para implantar o sistema e os de menos de 50 mil habitantes quatro anos.
Há, ainda, tramitando no Senado a Lei de Acesso à Informação “que estabelece regras de acesso a documentos públicos nos três Poderes (legislativo, judiciário e executivo), com abrangência federal, estadual e municipal”, explica Rolim. Segundo a proposta, cada cidadão poderá solicitar a qualquer ministério, por exemplo, informações sobre a utilização de recursos públicos, acompanhamento dos programas, projetos e ações do governo e os resultados das prestações de contas relativas a exercícios anteriores. Se o gestor não atender ao pedido no prazo de 20 dias, poderá ser punido.
Apesar desses dispositivos, “que transformam a transparência de imperativo moral em imperativo legal, é preciso que os dados disponibilizados sejam de fácil acessibilidade”, alerta Marcos Rolim. “Não basta estarem ali, sem na verdade não estar”, acrescenta. Este é, também, um aspecto que deve ser fiscalizado pela cidadania.

Texto: Beto São Pedro

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